quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O peso da felicidade

Qual o peso da felicidade? Há tempos, Andréa se perguntava sobre isto e só sabia, por ter experimentado em esparsos momentos, que ser feliz pesava muito. Não sabia ao certo o porquê desta constatação. Em verdade, nunca havia parado para pensar seriamente a este respeito. Era prática, ocupada e se orgulhava disto. Não tinha tempo para pensar sobre ser feliz e, até bem pouco tempo, isto se tratava de assunto pretérito e etéreo. Sem mencionar o fato de que ser feliz não fazia mais parte de seus planos. Havia chegado à constatação de que ser feliz dói e não sabia muito bem como lidar com seu próprio desequilíbrio. Aliás, não gostava de falar sobre este despreparo, pois sabia que falar do que realmente importa é sempre carregar afeto em torno do que parecem fatos e fardos – um peso que pensava não mais lhe dizer respeito. Embora cheia de todas as certezas sobre ser feliz e suas dores, Andréa sentia-se diferente aqueles dias. E, pela novidade do que sentia somada aos afetos que se conectam a palavras, não tinha muita clareza de que como chamar seu sentimento. Havia alguém envolvido nisto tudo, porém, mais do que uma referência ao outro, era a si mesma que esta profusão de novidades misteriosas sentidas a remetiam. A única coisa de que sabia era que tudo parecia leve, e nada mais. E só sabia disto porque antes mesmo de nomear as coisas, percebia que se tratava de um sentimento, uma verdade que se antecipava a seus pensamentos sempre muito bem articulados. Esta era uma certeza plena, exata, apodítica e, por isso mesmo, avassaladora, inquestionável. Era como se desejo e vontade, que dificilmente andam juntos, houvessem finalmente se encontrado em uma verdade que pulsava por todo seu corpo, num ritmo distinto daquele imposto pelas certezas que carregava. Diante do irresistível apelo feito pela existência, tinha clareza de que não havia outra escolha senão dizer “sim”, pois não se tratava de uma solicitação qualquer. Era como se feito por uma criança que berra forte e exige atenção, mas não por birra, como a grande maioria. Um grito de mistério, mas que indicava o nascimento de algo há muito já concebido, sem alarde, sem peso, enfim. Quando se apercebeu, já se fazia forte e vigoroso o que em silêncio ganhava forma em seus sucessivos e prazerosos encontros com... o inominável e ainda irreconhecível sentimento que a possuía. Talvez por um cristianismo que já imaginava distante há tempos, sentiu vontade enorme de agradecer a Deus. É que estava espantada e qualquer espanto, emoção mais forte, sabe-se lá, por que sempre a remetia a Ele, mesmo sabendo-se descrente e tendo clareza de que nem de longe se tratava de religião, o que não impedia que se parecesse com uma experiência mística, cheia de entrega, mistério e transformação. Viu-se com medo, mas um medo estranho, pois seu sentimento vinha acompanhado de uma clareza de que o que se passava era da ordem de uma inevitável e necessária transformação. Andréa descobria que a leveza também poderia assustar, pois deixava clara uma certeza avessa a muitas convicções que possuía até ali. Sentia-se levada pelas evidências que a tomavam – completo descontrole que a deixavam embevecida diante de si e dos mistérios que nem sabia possuir, pois em pouco tempo viu transformado sem semblante – de sempre sério e concentrado, a comovido e descontrolado. Por um instante achou que não era consigo que aquilo acontecia, pois era como se visse fora de si, sentindo tudo ao mesmo tempo, contraditórios que conviviam numa experiência única, saudade de algo que nunca chegou a conhecer, pois não lhe sabia o nome. André resolveu, então, tocar seu corpo e era como se tivesse dentro de si algo novo, que lhe intumescia a compleição corpórea. Sua pele se configurava como descontinuidades, misturando a convivência de partes novas e antigas envolvendo um só corpo, que, de tão estranho, já nem mais sabia se era seu. Ao tocar o rosto, percebeu o escorrer de lágrimas. Tentou controlar e manter a “compostura”, mas sem sucesso e, não se contendo, chorou intensamente. Era como se chorasse sua morte e seu nascimento ao mesmo tempo, possibilidade que lhe era inconcebível até então. Mas não tinha como negar – mesmo com intensidade, tudo se passava com leveza, clareza e naturalidade. Percebendo o inevitável caminho que tomara, André fundiu-se à avalanche de sentimentos que a tomavam e, diante do mistério que se apossara de si, pensou com inédita e profunda convicção de que, finalmente, estava se sentindo feliz e leve.

3 comentários:

Isadora Dias disse...

E que todos os orgasmos aconteçam em tempo, levitando a existência.

Muito bom, meu amigo. Quase que eu mesma, como Andréa, não conseguia chegar ao fim.

E como foi pra você?

Emanuel disse...

Olá, querida. Bom receber tua visita por aqui. Foi difícil, até aqui, porque é incrível perceber que o peso da felicidade é leve. Bjs,
Emanuel.

Rosilene Cordeiro disse...

Emanuel, que embaraçoso isso!rr
Talvez tenha aprendido a roubar com as letras, escritas ou sonorizadas, que me capturam e levam arbitrariamente pela mão, diariamente, rumo ao desconhecido e intrafegável daquilo que ainda não descobri em mim. Por aqueles caminhos afetivos que estão EM ALGUM LUGAR DE MIM a espera de quem o visite e explore. Obrigada pela viagem comigo, conosco.

Rosilene Cordeiro

Rosilene Cordeiro