sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Sem nome

Acordou com a impressão de que havia sonhado, mas se tratava apenas de uma sensação de certeza, e nada mais. Não sabia de que conteúdo se tratava, ou se, de fato, o sonho havia ocorrido. Sua sensação era a de quem, mesmo não sabendo exatamente o que se passara, percebia-se diferente. Nada aconteceu, mas algo havia mudado. Não buscava saber da veracidade do acontecimento de seu sonho, pois era como se fosse marcado pela verdade de sua sensação de estar diferente. Não havia, portanto, compromisso com fatos, mas com uma verdade marcada em seu corpo, inscrita de modo extremamente particular, sem qualquer referência a letras ou imagens. Sua respiração, extremamente ofegante, indicava-lhe uma excitação, como se algo de inesperado estivesse prestes a acontecer e ele precisasse ficar preparado para isso. Essa sensação, talvez, já não tivesse mais utilidade, uma vez que algo já havia acontecido, mesmo que não se soubesse o que, ou de que forma a transformação se sucedeu. Não houve, portanto, chance de preparação para qualquer defesa – mas o que foi mesmo atacado? O que foi ferido sem que houvesse seqüelas visíveis, ou qualquer rastro concreto – a não ser a certeza de que algo se inscreveu? Talvez, sua própria necessidade de saber de si. Por que era mesmo que precisava ter a precisão absoluta de seus acontecimentos? Que diferença faria saber narrar exatamente todos os detalhes de sua sensação aparentemente onírica? A estranheza que lhe habitava não sofreria qualquer alteração e, portanto, a inquietude que experimentava não deixaria de estar presente. Sua necessidade de dar coerência a tudo não lhe deixava mais se concentrar em qualquer outra coisa, até que, de súbito, foi tomado por um pensamento: “Preciso dar um nome a isto que me ocorreu!” – falou ele, admitindo já que algo lhe ocorrera. A cada palavra que procurava, percebia completa inadequação. Sua sensação era a de alguém numa terra estrangeira com enorme inquietude e necessidade de se comunicar com um nativo, contudo sem sucesso na efetiva troca que a comunicação exige neste contexto e, a cada tentativa, seu interlocutor lhe dava com os ombros e se irritava cada vez mais. O problema é que sua terra estrangeira e seu interlocutor eram ele mesmo, fato que o deixava ainda mais intrigado. Estrangeiro em seu próprio corpo, ignorante acerca de seus acontecimentos, via-se passivo e tomado por uma enorme frustração – a de nem mesmo nomear seu estado naquele momento. Seu coração batia ainda mais acelerado do que no momento em que acordou e, assombrado, tentou dormir um pouco mais. Mas quem poderia lhe garantir que acordaria melhor? Que parâmetro havia para que tivesse certeza de que não estava mais sonhando? Afinal, já não podia mais distinguir o que era real do que não era e, portanto, não tinha mais certeza alguma. Sua decisão, então, foi, mesmo que estivesse dormindo, dormir – não importava se já estava ou não dormindo, pois simplesmente não conseguia tolerar sua ignorância sobre si mesmo e permanecer alerta quanto a ela significava lembrar-se de um incômodo deveras insustentável para si. Caiu, então, num sono profundo (ou no que julgava ser isto), podendo retomar seu cotidiano, quando dali despertasse. Havia, contudo, a convicção, implícita e assustadora, de que sua mudança, fosse ela qual fosse, era irreversível, inominável e, sobretudo, plena de mistérios.

Um comentário:

Nilzabeth disse...

Mudar... mudar...Necessário e tão dolorosamente inevitável.
Gostei do texto!
:)